Brasil aguarda o próximo passo de Bolsonaro enquanto Lula enfrenta uma difícil lista de tarefas
Um Brasil tenso aguardava o próximo movimento de Jair Bolsonaro na segunda-feira, enquanto o titular de extrema-direita permaneceu em silêncio depois de perder um segundo turno da eleição presidencial para o veterano de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva – que agora enfrenta uma difícil lista de tarefas.
O país agora enfrenta dois longos meses até o dia da posse em 1º de janeiro, após a derrota de Bolsonaro para Lula com uma pontuação de 51% a 49% – a corrida mais acirrada desde que o Brasil retornou à democracia após a ditadura militar de 1964-1985.
Recém-saído de uma grande festa da vitória que culminou um notável retorno político, o ex-presidente Lula - agora presidente eleito - enfrenta o negócio menos agradável de um processo de transição confuso e de alto risco.
O silêncio de rádio de Bolsonaro após a eleição polarizadora de domingo deixou os brasileiros no limite, após meses do ex-capitão do Exército alegando fraude eleitoral e uma suposta conspiração contra ele.
Lula criticou seu inimigo por não reconhecer o resultado.
"Em qualquer outro lugar do mundo, o presidente derrotado teria me ligado para reconhecer sua derrota. Ele ainda não ligou. Não sei se ligará", disse ele em seu discurso de vitória para um mar eufórico de torcedores em São Paulo.
As luzes se apagaram na residência presidencial em Brasília na noite de domingo sem nenhuma palavra do líder, que muitas vezes é comparado ao ex-presidente dos EUA, Donald Trump.
"Lula terá que estar atento... a qualquer desafio que Bolsonaro e seus aliados façam para deslegitimar sua vitória e mobilizar seus apoiadores, como Trump nos Estados Unidos" após sua derrota nas eleições de 2020, disse o cientista político Paulo Calmon, da Universidade de Brasília. .
Mas com alguns aliados importantes de Bolsonaro – incluindo o presidente do Congresso Arthur Lira – reconhecendo a derrota do titular, o presidente não parecia ter um forte apoio nos corredores do poder para contestar o resultado.
Lula disse que trabalharia para curar uma nação ferida por uma campanha amarga.
"Vamos ter que dialogar com muita gente revoltada... Este país precisa de paz e união. O povo brasileiro não quer mais brigar", disse o ex-metalúrgico, com a voz rouca ainda mais rouca do que o habitual na encerramento de uma campanha cansativa.
Mais fácil falar do que fazer, de acordo com analistas políticos.
"Foi uma vitória muito apertada... (que deixou) metade da população insatisfeita. Lula terá que mostrar muita habilidade política para pacificar o país", disse o cientista político Leandro Consentino, do Insper, em São Paulo.
"A pior coisa que poderia ter acontecido no domingo foi os brasileiros dormirem sem que o presidente dissesse nada. Isso coloca em dúvida se ele vai aceitar o resultado", disse à AFP.
A vitória foi uma reviravolta impressionante para Lula, que deixou o cargo em 2010 como o presidente mais popular da história brasileira, quando foi preso por 18 meses por acusações de corrupção desde então anuladas.
Mas ele é odiado por muitos brasileiros pela crise econômica e pelo enorme escândalo de corrupção que marcou o fim de 13 anos no poder de seu Partido dos Trabalhadores, que chegou ao fim quando a sucessora escolhida a dedo Dilma Rousseff sofreu impeachment em 2016.
Agora Lula volta ao cargo - um terceiro mandato sem precedentes aos 77 anos - enfrentando um cenário político e econômico que parece muito mais hostil do que nos anos 2000.
Os aliados de extrema direita de Bolsonaro conquistaram grandes vitórias nas disputas legislativas e de governadores no primeiro turno da eleição em 2 de outubro e serão a maior força no Congresso.
E a situação econômica global não se parece em nada com o "superciclo" das commodities que permitiu a Lula liderar a maior economia da América Latina em um boom divisor de águas.
Lula reconheceu sua difícil lista de tarefas.
"O desafio é imenso", disse ele, citando uma crise de fome, economia fraca, divisão política amarga e destruição desenfreada da floresta amazônica.
Lula enfrentará oposição "forte" e possivelmente protestos de rua, disse o analista político Adriano Laureno, da consultoria Prospectiva.
"Ele assumirá o cargo em meio a uma possível recessão global" e decisões econômicas difíceis em casa, disse Laureno à AFP.
"Será muito difícil permanecer popular", disse ele.
Todos os olhos nas capitais ocidentais estão voltados para o impacto da eleição no futuro da Amazônia e na emergência climática global.
Em seus quase quatro anos no poder, o cético climático Bolsonaro tornou-se alvo frequente de críticas de ambientalistas por seu apoio a madeireiras e mineradoras acusadas de destruir a floresta tropical, com a vitória de Lula aumentando as esperanças de mudança.
A Noruega, que suspendeu os subsídios de proteção da Amazônia ao Brasil em 2019, retomará sua colaboração com Brasília após a vitória de Lula, disse o ministro do Meio Ambiente do país escandinavo à AFP na segunda-feira.
"Observamos que durante a campanha (Lula) enfatizou a preservação da floresta amazônica e a proteção dos povos indígenas da Amazônia", disse Espen Barth Eide, acrescentando que o fundo de preservação da floresta amazônica atualmente tem 5 bilhões de coroas norueguesas (cerca de US$ 482 milhão).
Embora o próprio registro ambiental de Lula não seja impecável, ativistas dizem que, sob Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia disparou.
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