Menus de QR Code provocam brigas de amor e ódio no Rio e além
Folheando o cardápio encadernado em couro de um restaurante clássico do Rio de Janeiro, o Armazem São Thiago, com piso de ladrilhos e painéis de madeira, Paula Cardoso, 28 anos, diz algo que chega a ser uma heresia neste estabelecimento: "Prefiro menus em código QR ."
Fundado em 1919 e pertencente à mesma família há três gerações, o Armazem São Thiago é um lugar que desaprova os códigos QR, aqueles hieróglifos da moda que surgiram durante a pandemia de Covid-19, permitindo que clientes cautelosos acessassem menus digitais em seus telefones celulares.
O bar e restaurante se orgulha de seu cardápio, que garçons com camisas brancas impecavelmente passadas entregam com deferência aos clientes.
"É a introdução à casa", diz Carlos Fionda, 59, gerente do restaurante - carinhosamente apelidado de "Bar do Gomes" - no pitoresco bairro de Santa Teresa.
"É assim que começa a experiência do cliente. Você conversa com ele, ajuda a fazer a melhor escolha... Não é uma coisa fria e impessoal."
Fionda não é a única a defender o bom e velho cardápio -- assunto que desperta paixões mundo afora.
O estado do Rio aprovou na semana passada uma lei exigindo que restaurantes e bares ofereçam cardápios físicos para clientes que não possuem smartphones, têm problemas tecnológicos ou simplesmente querem ignorar seus dispositivos e desfrutar de uma refeição com a família e amigos.
Vários outros estados estão considerando medidas semelhantes.
E a confusão do QR code vai muito além do Brasil.
Um projeto de lei comparável está em andamento em Miami, Flórida. A Colômbia adotou uma medida semelhante no ano passado. Enquanto isso, os legisladores da província de Mendoza, na região vinícola argentina, estão pressionando para o outro lado, com um projeto de lei que exigiria uma opção de menu digital.
É um assunto delicado em um mundo repentinamente dominado por jantares digitais.
Com os temores da era pandêmica de contágio transmitido pela superfície agora uma memória distante, muitos clientes expressam frustração com a onipresença persistente de menus digitais e suas desvantagens - a agonia de navegar em uma tela minúscula, os problemas de conexão, a ameaça de bateria descarregada do telefone, a falta de contato humano.
"Menus de código QR são a morte da civilização", opinou um colunista do Washington Post no ano passado.
"Foda-se os códigos QR. Eu só quero segurar um menu de novo", escreveu um artigo na revista Vice.
"Podemos finalmente dizer que os menus de código QR são uma pilha gigantesca de merda?" O influenciador brasileiro Felipe Neto perguntou em um post no Twitter que se tornou viral em maio.
Mas segure a hostilidade, por favor, dizem os defensores do menu digital.
Eles são "muito mais práticos", diz Cardoso, a jovem e descolada gerente de marketing que se viu no vintage do Armazem São Thiago.
"Você pode acessar pelo celular, tem mais fotos da comida. Dá para explorar melhor o cardápio. Os cardápios (tradicionais) envelhecem."
Muitos donos de restaurantes adoram a tecnologia - e esperam discretamente que os clientes aprendam a amá-la também, dizendo que facilita a inovação, a sazonalidade e o frescor.
"Acabo de adicionar comida japonesa ao meu cardápio. Se eu tivesse 50 cardápios físicos, teria que trocar 50 cópias. Com o digital, dá para trocar em poucos minutos, sem impacto ambiental", diz André Delfino, 50, gerente do elegante restaurante Santa Teresa Casa Nossa.
A tecnologia "veio para ficar", prevê.
No Café do Alto, em um prédio histórico perto da icônica linha de bonde de Santa Teresa, o coproprietário Francisco Dantas se autodenomina um tradicionalista que prefere uma experiência gastronômica intimista e sem tecnologia.
Mas ele adora seu menu de código QR quando se trata de sua seleção de cervejas artesanais em constante evolução.
"É superfluido. Posso trocar no celular a qualquer hora. É só entrar, controlar C, controlar V, adicionar os novos", diz Dantas, 43.
A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes quer que o governo deixe a decisão para os proprietários.
"É uma questão de mercado", diz o porta-voz José Eduardo Camargo.
"Ambos os sistemas têm suas vantagens e ventiladores."
A associação constatou em uma pesquisa recente que 38% dos restaurantes brasileiros adotaram cardápios digitais; outros 25 por cento planejam fazê-lo.
Essa onipresença acelerada é o que preocupa o deputado estadual do Rio Rodrigo Amorim, que introduziu a nova lei.
"Provavelmente estamos caminhando para um mundo de menus totalmente digitais. Mas a mudança deve ser respeitosa e inclusiva", diz ele.
Enquanto isso, "não há nada mais romântico do que chegar a um restaurante, segurar um cardápio nas mãos e decidir o que comer", disse à AFP.
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