'Os mortos continuam chegando': a violência domina os necrotérios do México
Em uma sala escura, sem janelas e sem ar-condicionado no sul do México, milhares de ossos de pessoas não identificadas resumem a crise de um sistema forense dominado por crimes violentos.
O necrotério em Chilpancingo, no estado de Guerrero, está cheio de restos humanos anônimos - como muitos outros em um país que luta para processar um acúmulo de dezenas de milhares de corpos.
"Os mortos continuam chegando e as pessoas continuam desaparecendo", disse Nuvia Maestro, 36, antropóloga forense na Cidade do México.
Nas redes sociais, Maestro declara seu amor pela gata Clementina - seu "raio de luz" - além de ciclismo, vinho e jaquetas coloridas.
No trabalho, a mulher de 36 anos usa dois cooktops elétricos que ela e seus colegas compraram para ferver as costelas para retirar o tecido e fazer exames para determinar a idade do falecido.
"Você trabalha e trabalha e não termina!" ela disse.
No necrotério de Chilpancingo, o incenso queimado pelos funcionários não conseguiu mascarar o fedor da morte - nem afastar as moscas.
Um funcionário do serviço forense examinou os registros manuscritos dos restos mortais, encolhendo os ombros quando perguntado por que eles não são digitalizados para facilitar a busca dos parentes pelos desaparecidos.
Os estudos de DNA "podem levar meses", frustrando famílias desesperadas para encontrar seus entes queridos desaparecidos, disse o coordenador do serviço forense Alfonso Ramirez.
A taxa de homicídios do México triplicou desde 2006 – quando uma intensificação da guerra do governo contra os cartéis de drogas desencadeou uma espiral de violência – de 9,6 assassinatos por 100.000 habitantes para 28 em 2021.
O número de pessoas desaparecidas também aumentou acentuadamente, de 265 em 2006 para 10.366 em 2021, e agora totaliza 108.000 desde que os registros começaram em 1964.
Acredita-se que muitas vítimas tenham sido enterradas pelas autoridades sem serem identificadas. O governo atribui a maioria das mortes à violência das gangues.
Especialistas dizem que a crise forense também é explicada pela falta de fundos, pessoal, laboratórios de testes rápidos de DNA e um único banco de dados genético.
O Comitê de Desaparecimentos Forçados das Nações Unidas estima que, nas condições atuais, levaria 120 anos para processar os 52.000 corpos não identificados documentados pelo Movimento pelos Nossos Desaparecidos, uma organização não-governamental.
As autoridades mexicanas "não têm capacidade institucional para lidar com o acúmulo" de corpos não identificados, disse em outubro Alejandro Encinas, vice-ministro responsável por direitos humanos.
Somando-se ao trabalho dos serviços forenses, alguns criminosos queimam os cadáveres de suas vítimas ou os enterram em valas clandestinas.
Os assassinos sabem quais partes do corpo são mais úteis para a identificação, como as pontas dos dedos, e as destroem, disse Maestro, lembrando que os cadáveres mais maltratados são os de mulheres.
Os orçamentos dos serviços forenses regionais aumentaram de US$ 110 milhões em 2015 para US$ 122 milhões em 2020, segundo dados oficiais.
No mesmo período, o número médio de assassinatos saltou de cerca de 17 para 28 por 100.000 pessoas.
Guadalupe Camarena, 62, chorou segurando fotos de seus cinco filhos desaparecidos durante uma exumação de restos mortais em um cemitério no estado ocidental de Jalisco.
Sua filha desapareceu na cidade de Guadalajara em 2016, seguida por seus quatro filhos que desapareceram em 2019, supostamente depois de serem detidos pela polícia, disse a empregada doméstica.
Ela espera que dar uma amostra de DNA a ajude na busca por seus cinco filhos desaparecidos.
"Eu não quero encontrá-los (mortos) assim, mas se eu não conseguir encontrá-los vivos..." ela disse, parando.
O impacto psicológico da situação obriga especialistas como Dalia Miranda, coordenadora municipal de exumações de Jalisco, a fazer terapia.
Os trabalhadores forenses encontram "coisas muito feias", disse ela.
Leva até seis meses para comparar amostras de DNA de restos mortais com as de parentes dos desaparecidos, de acordo com Alfonso Partida, pesquisador universitário em Guadalajara, cujo necrotério, segundo ele, contém "toneladas" de restos mortais.
O governo tomou medidas como a criação de dois centros de identificação e quatro de guarda de cadáveres.
Também está trabalhando para estabelecer um centro nacional de identificação e um laboratório de genética para o qual os Estados Unidos contribuirão com quatro milhões de dólares.
Mas o gabinete do procurador-geral ainda não criou um banco nacional de dados forenses estipulado por lei.
Nesse ínterim, Camarena visita o necrotério de Guadalajara todas as semanas para estudar as fotos dos mortos em sua busca por seus filhos - uma rotina que ela enfrenta usando antidepressivos.
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