'Você atirou na minha neta!' Vem um grito em Caracas enquanto a violência policial aumenta
Para Maria Eugenia Segovia, os relatos de mortes crescentes nas mãos da polícia na Venezuela carregam um rosto dolorosamente pessoal.
Apontando para um buraco de bala na janela de sua casa em um bairro de Caracas, ela culpa um policial pela morte de sua neta de 11 anos, Yadimar Sierra.
Enquanto o policial disse que estava atirando em uma "sombra" suspeita, Segovia, de 54 anos, disse que atirou "diretamente na garota" enquanto ela dormia em 13 de novembro.
Uma bala perfurou a grade de uma janela, estilhaçou o vidro e atingiu Yadimar na nuca.
O caso é um de um número crescente sendo atribuído às autoridades na Venezuela em crise.
Os números oficiais são difíceis de obter, mas o Observatório da Violência Venezuelana, um grupo não-governamental, diz ter documentado mais de 700 mortes nas mãos da polícia apenas no primeiro semestre do ano.
Segovia disse que confrontou furiosamente o policial e seu companheiro, gritando: "Você atirou na menina, atirou na minha neta!"
"Eles se viraram e fugiram", acrescentou.
Cinco pessoas foram presas em conexão com o tiroteio, segundo a polícia, mas um porta-voz do Ministério Público disse que "não há confirmação de que sejam policiais".
Grupos de direitos humanos dizem que houve até 4.000 execuções extrajudiciais realizadas em 2020 e 2021 durante operações anticrime, o que, segundo eles, equivale a um assassinato sancionado pelo Estado.
Em um clima mais amplo de impunidade, casos como o de Yadimar – atribuídos a indivíduos ou pequenos grupos de policiais não necessariamente operando sob ordens – também podem ocorrer, disse Roberto Briceno Leon, diretor do Observatório Venezuelano da Violência.
Cada vez mais, acrescentou, a principal fonte de violência está mudando dos criminosos para a polícia, de modo que, em muitas partes do país, "a polícia é a causa de mais vítimas e mortes do que os próprios criminosos".
Vizinhos e parentes de Yadimar, que estava na sexta série, disseram que a polícia estava procurando agressivamente por um jovem na área, e que os moradores vieram reclamar.
Nesse momento, os policiais, que Segovia diz serem agentes da Diretoria de Contra-espionagem Militar, pediram reforços e entraram na rua dela com armas de fogo.
Outras testemunhas disseram que o policial havia bebido antes do incidente.
Os parentes de Yadimar apresentaram queixa ao Ministério Público, exigindo justiça e pedindo "mais controle" sobre as forças de ordem.
"Não podemos ter mais medo deles do que da própria rua", disse Yuleimy Valencia, 34, um dos primos de Yadimar.
As Nações Unidas expressaram preocupação com as operações policiais, enquanto o Ministério Público rejeitou as alegações de impunidade, afirmando que 358 agentes de segurança foram condenados por violações dos direitos humanos.
Mas a ONG Cofavic estima que "98% das violações dos direitos humanos não são investigadas".
"Por que você nos deixou, Yadimar? Por que, amigo, você foi embora? Voe alto!" lê um cartaz colado na parede da casa da menina. Os simpatizantes deixaram flores e balões brancos.
Yadimar era carismática e cheia de alegria, disseram sua avó e sua prima.
Ela estava sob os cuidados de Segovia porque a mãe de Yadimar, Jenny Arriaza Elias, havia viajado ao Peru em busca de uma irmã que migrou para lá. Seu pai foi morto há nove anos, atingido por uma bala perdida durante um tiroteio entre criminosos.
"Minha filha, mataram você igual ao seu papai", chorou Elias ao ver o caixão da filha. Sem dinheiro para voar, ela viajou milhares de quilômetros de estrada desde o Peru.
"Ainda não conseguimos entender", disse o primo de Yadimar.
"Por que, se ela estava dentro de casa... isso tinha que acontecer?"
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